Segue uma cronicazinha para amenizar a temperatura!
Verde Vício
Final de mês é aquele problema. Cartela de ticket refeição esgotada – fato que denunciava constantes incursões por churrascarias do centro -, conta corrente no vermelho, limite do cartão de crédito estourado...não restava alternativa. Tinha, a qualquer custo, que acionar o plano B, qual seja: entrar na aba do Germano, engenheiro amigo, que sempre me livrava dos momentos de angústia. O único inconveniente é que o citado era adicto de comida vegetariana e não dispensava o almoço no Verde Vício, restaurante pretensamente sofisticado da Rosário, pertinho da Primeiro de Março. Faça-se justiça: neste estabelecimento o verde é prioritário, mas não exclusivo.
Lá pelas 9:30h, evitando qualquer possibilidade do colega citar almoço com algum cliente ou outro amigo, disquei seu ramal interno:
--- Graaande Germano, como vai esta força?
--- Fala meu camarada. Tá na roubada, né?
--- Bem...na verdade... eu precisava falar algo pessoal contigo...você sabe da nova reestruturação do departamento?
--- Me engana que gosto, seu safado! Fim de mês e você já detonou o ticket, é ou não é? Meio-dia lá embaixo defronte ao McDonald, é Verde na cabeça, valeu?
--- Tá mais que confirmado! Fui!
Com o Germano não tinha perhaps. Era o amigo das horas difíceis que não pedia requerimento para fazer favor pra amigo. Pão, pão; queijo, queijo. Se ele pudesse fazia na hora; se não havia condições de ajudar, não te enrolava! O único porém, no caso específico do almoço, era se adaptar às suas condições de contorno: seu paladar era mais de coelho que de gente. Mas tudo bem... a companhia sempre era agradável e divertida, e, invariavelmente, a conversa estava repleta de piadas e tiradas espirituosas.
Hora marcada é hora confirmada. A ascendência alemã, como o próprio nome indicava, fazia da pontualidade uma das virtudes marcantes do Germano, em contraste com o resto do pessoal do trabalho. Encontramo-nos no lugar marcado e fomos em direção a Rosário.
Na porta do Verde, chocamo-nos com duas figuras insofismáveis: a Roberta – cuja beleza era inversamente proporcional à inteligência – e com o Patrick – subchefe da informática, cuja patente não era compatível com sua onisciência e com as especializações que cursara...segundo sua própria opinião.
--- Gegê, meu amor! Soou a voz de taquara rachada da Roberta, acompanhada pelo splash de um beijo.
Fui rapidamente tentando cumprimentar o Patrick para fugir do batom. Tentativa frustada, no entanto. Não obstante a viscosidade da moça, ela era uma pessoa simples e sincera, chegando até a simploriedade.
--- Vamos encarar a fila? – estimulou-nos alegremente o Patrick.
--- Vamos nessa! Concordei sem qualquer objeção.
No restaurante em questão você escolhe as saladas e os pratos quentes que quiser, sendo servido pelas atendentes. O público em sua maioria é feminino, dada a procura pelos alimentos hipocalóricos, benéficos à estética e atuantes contra quaisquer agentes colesterígenos. Em geral, duas semanas almoçando direto no Verde, para o cidadão carnívoro, pode conduzir a graves casos de depressão aguda! Não há psicotrópico que te cure...só mesmo uma boa churrascada...com moderação, é claro!
--- Para beber? – perguntou-me a sorridente atendente?
--- Coca Light pra mim!
--- Meu senhor, aqui só temos sucos naturais hipocalóricos.
--- Mas é light...
--- Infelizmente, só temos guaraná natural diet, goiaba integral e maracujá sem maracujina.
---Tá, Ok! Obrigado, mas acho que não beber nada.
--- O senhor não sabe como é bom este suco de goiaba integral...
--- Tranca a rua, né?
--- Como assim?
--- Para não ser indelicado, digamos que impede o fluxo dos dejetos orgânicos!
--- Perdão senhor, mas não entendi.
--- Desculpe, deixa pra lá. Estou sem sede hoje.
A essa altura, não só meus colegas de trabalho, mas toda fila parara para assistir o diálogo com a garçonete. Fui alvejado por alguns olhares furiosos de umas meninas que faziam Direito, ali perto na Cândido Mendes, e eram freqüentadoras assíduas do local. Percebi que o melhor seria desfazer a confusão e dar vazão, o mais rápido possível, ao fluxo normal dos comensais, deixando minhas opiniões pessoais para um outro momento.
Superado o incidente circunstancial, sentamo-nos numa mesa do segundo piso.
Sem prévio aviso, nem pedido, o Patrick neste dia estava disposto a abrir o coração, fazendo revelações da sua juventude atribulada:
--- Pô, cara, eu já ganhei muito dinheiro quando eu era mais novo! Não era rico não, mas tinha um padrão violento!
O Germano, gozador que é, foi dando linha na pipa do interlocutor:
--- É mesmo, cara? Eu acho que você me contou isso. Foi quando você tinha aquela loja de compra e venda de carros usados, né?
--- Isso mesmo! Cheguei a ter doze carros na loja! Mas fumava o equivalente a venda de um carro por semana, cara!
--- É mesmo, é? – também estimulei o Patrick.
Conversa vai, conversa vem, o rapaz em quinze minutos descreveu sua biografia de altos e baixos, que culminava na sua recuperação financeira e afetiva. Diga-se de passagem, era uma pessoa profissionalmente competente e confiável.
A conversa foi se conduzindo, naturalmente, para a reestruturação do departamento, as vésperas de acontecer. O Germano comentou:
--- Esse inglês que veio para chefiar o RH é muito gente boa!
--- Eu que pensava que os ingleses eram mais chatos que os europeus! – comentou ingenuamente a Roberta.
O Germano com um olhar de que não fui eu que a convidei, apesar de se caraterizar por ser de uma pessoa de índole polida e bastante condescendente com as pessoas, não resistiu e observou:
--- Roberta, a Inglaterra faz parte da Europa! Não fala essas coisas na reunião, não! Pega mal!
--- Desculpa, eu me equivoquei! Você, também, é muito implicante!
--- Deixa pra lá, gente! Vamos tomar um expresso? Convidou-nos o Patrick tentando ajudar a colega,
Sugestão aceita por todos sem objeção. Aliás, a Roberta que era uma pessoa genuinamente pura, não guardou qualquer ressentimento. Mas valeu o toque do Germano: prevenir é melhor que remediar!
Boa, armandão...
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