sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Fala Galera, tranquilidade?


Voltando da ressaca do carnaval é hora the encarar o real world! If you think that your boss is an assehole remeber the wisdow emerging from radio corridor:

"There is no ethernal boss"! (Ah muleque!!!!)

Uma cronicazinha para amenizar


Voadora por trás

Para quem gosta de futebol, o pior do domingo à noite não é a expectativa da segunda, mas ter perdido o racha na praia. É gozação na certa no dia seguinte.

Jogo apertado, 2 x 1 para a turma da Farme de Amoedo... fazia mais de um ano que a nossa equipe, o Lido, não perdia para nenhum time de Ipanema. Na avidez de manter a escrita, sufocamos o adversário nos dez minutos finais, com direito a três bolas na trave! O tempo ia se escoando e a esperança se esvaindo. Escanteio. Era a última chance. O Zeca cobrou rasteiro e sobrou para eu chutar, livre de marcação, com o gol escancarado. Fui com tudo, mas não contava com a voadora por trás do beque deles. Nem vi o contragolpe que selou o placar em 3 x 1. Saí de campo carregado até a minha casa na Figueiredo Magalhães.

Na segunda, além do peso da derrota, pairava sobre mim o receio da visita forçada ao sinistro Miguel Couto. Sem plano de saúde, não havia mais remédio que encarar de frente o Miguelão, também conhecido como Jesus me chama. À mercê do minguado orçamento público, carente do material mais básico, o hospital alberga médicos da velha guarda – que de há tempos haviam esquecido o juramento de Hipócrates – e recém doutores – cheios de ambição, mas desprovidos de qualquer bom senso – que circulam pelas enfermarias, alheios às diversas tragédias individuais.

Na condição de desconhecido, manquitolei até o ponto e tomei o 434, rumo à aventura. Saltei, torcendo novamente o tornozelo, e me arrastei como pude até o portão de entrada. A fila parecia o povo de Israel, reunido em uma só coluna, caminhando em direção à terra prometida! Como Moisés, quem não chegasse antes da 5:30 da manhã, não veria a desejada pátria.

Lá pelas dez, depois de quase cinco horas de espera, o seu Francisco – antigo porteiro hospital, com um andar arrastado e um bafo de pinga dos diabos – passou dando a senha. Foi aí que me dei conta: ortopedia a partir das 16:00h. Ainda meio atordoado, reclamei:

--- Ô meu senhor, deve ter algum engano!

--- Ô meu querido, isto aqui é INSS. Não é hospital de bacana, não! É pegar ou largar!

O que não tem remédio, remediado está! O ancião estava certo, tivesse eu não abandonado o curso de direito e, talvez hoje, seria magistrado gozando de todas as regalias. Não havia jeito. Para amenizar a situação, comprei uma coxinha da Tia Creuza – vendedora famosa nas filas do hospital – e resolvi me armar de paciência até ser atendido.

Às seis da tarde, já roxo de fome, ouvi meu nome erroneamente declamado pelo enfermeiro Messias, com ares de gozação:

--- Dona Darci Reis Oliveira!

--- Ô meu irmão, eu sou sujeito homem!

--- Entrou na pilha! Relaxa e vai indo pra sala 5 falar com a Dra. Ivete!

Para não criar polêmica, fuzilei com o olhar o Messias e depois me dirigi para a sala da médica. Entrei meio cabisbaixo e desconfiado, pois a figura da doutora – uma anciã de mais de cem quilos, cigarro pendurado na boca e um foto de Iemanjá na parede – não me vislumbrava um porto seguro para minhas penas. De costas para mim, a lavar suas mãos, posição que lhe ressaltava a silhueta deformada, lançou um olhar de soslaio e perguntou-me:

--- Foi futebol, meu filho?

--- Foi, sim senhora...

--- Maldade ou grossura?

Contive-me e respondi baixinho:

--- Foi entrada por trás...

--- Pelo visto houve luxação... do jeito que está inchado. Vou chamar o Messias para colocar no lugar e te engessar – respondeu a doutora, continuando a lavar as mãos sem me dirigir o olhar.

--- Mas a senhora Não vai nem olhar o local? Nem uma radiografia?!?

--- Escuta meu jovem, até os 50 anos eu mexia na entorse, radiografava... hoje só de olhar eu já sei o diagnóstico! Fica tranquilinho! Tenho quarenta anos de praia como médica! Além do mais, a máquina de raios-X quebrou faz seis meses!

--- Mas doutora...

--- Doutora p... nenhuma! O Messias, aos costumes! Põe no lugar e botinha de gesso no tornozelo!

O Messias ficara atrás da pequena cortina da outra sala, como que estranho ao assunto e ao ser chamado irrompeu alegremente:

--- Pois não, minha doutora. O Darci é sujeito homem! É daqueles que nem gritam, não é Darci?

Não deu tempo nem de falar e o Messias começou o serviço.

--- Aí!!! Pára! Vai devagar aí!!!

--- Cadê o sujeito homem?

--- Acaba logo com isto e deixa de gracinha, meu irmão! – ordenei ao enfermeiro.

--- Calma, amizade! Vai ser no love!

Depois de meio hora de suplício, saí da sala respingando gesso e com três quilos no pé esquerdo. Pensei comigo: ou paro de jogar futebol ou pago um plano de saúde para escapar do Miguelão!

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Homenagem aos habitantes da Cidade Sorriso (Nickity Heroe)

Grandes amigos, blza?

Segue uma cronicazinha para o simpático pessoal papa-goiaba, da terra de Araribóia!


Bom Carnaval!!!

Frase da semana: "De onde menos se espera, não vem nada mesmo!" (Amigo de copo)

Lua às antípodas

Quem mora no Rio e nunca tomou as barcas rumo a Nickity City, passou por essa vida e não viveu – como diz o poeta. A barca talvez seja o transporte mais popular e folclórico do eixo Rio-Niterói. Alguns a elegem por faltam de opção – muitos deles ilustres “edsons”, como diz o niteroiense para provocar o pessoal de São Gonçalo... “é de São” – outros para evitar a loteria da ponte, cuja travessia leva uma média de 20 minutos com desvio padrão de duas horas. A ponte é um capítulo a parte, exigindo um apartado isolado num tratado de psicopatologias urbanas, sendo assim, um tema um pouco extenso para uma crônica.
Dificilmente, mesmo o morador de Niterói, tem-se acesso às barcas sem encarar antes o coletivo - alegria da família Barata e aparentados, que por décadas vivem do transporte de carne humana enlatada, abrigados das intempéries empresariais e mercadológicas sob o amparo das benesses distribuídas pelas cortes legislativas. Era o caso do nosso herói, habitante do Paraíso em São Gonçalo – esse nome de bairro só pode ser pilheria de niteroiense...eta lugar feio! Edílson Josenaldo da Silva, 30 anos, cursou o 2º grau no Liceu em Niterói, engenheiro pela UERJ, terceirizado da Plus Quality – empresa esta terceirizada da Promon -, levava cerca de 50 minutos até as barcas, fazia a travessia em 20 minutos e tomava a última condução que o deixava na obra em Madureira, ou seja, mais uma hora e vinte minutos, perfazendo o tempo total de duas horas e meia de transporte. Só de escrever dá cansaço!
Pegar o primeiro ônibus de pé era pule de dez! Ed – como o chamavam os amigos de racha no Paraíso – vinha reflexivo imaginando como resolver a equação financeira que o levaria ao casamento com a Duda – Dulcinéia Gomes de Sá, primeira e única namorada desde dos tempos do Liceu, filha do seu Mané, proprietário de padaria no Apolo XIII em São Gogo. Era uma equação quase insolúvel no espaço real! Diga-se de passagem, o cidadão que mora no Paraíso e tem namorada oriunda do Apolo XIII, definitivamente, quando nasceu tinha a lua às antípodas e estava deitado de barriga pra cima!!! Só faltava que o pai lhe tivesse posto a alcunha de Adão! Nem o Bussunda daria risada de brincadeira tão desrespeitosa!!!
Conjeturando sozinho, o nosso protagonista desceu da condução silencioso e dirigiu-se cabisbaixo à terra de Ari – Praça Araribóia – entroncamento onde aportam muitos dos ônibus que vão dar as barcas. É um verdadeiro rio humano, caudaloso de mão-de-obra desqualificada, batalhando todos os dias na dura guerra da sobrevivência! Esta massa constitui a alegria de parte do empresariado escravocrata capitalista carioca, erigido sob a égide de sobrenomes tradicionais, ainda dos remotos tempos do Rio capital do Império! Haja protecionismo de mercado! Você já viu um Guinle casar com um plebeu Silva?!?
O Ed cruzou a roleta sem dirigir olhar ao trocador. Esperou abrir a portinhola de ferro e foi levado pela horda em movimento cego em direção à embarcação. Como sempre, preferia o 2º andar para curtir a vista. Completamente cheia, a barca partiu lentamente e já ia fazendo a volta para ficar de proa para o Rio. De repente, chegou uma senhora esbaforida e ofegante, pois subira as escadas na tentativa frustrada de encontrar um lugar para se assentar. O cavalheiro ao lado do Ed, percebendo a tristeza da anciã, adiantou-se e cedeu-lhe o lugar – fato cada vez mais raro hoje em dia encontrar jovem cortês! O Ed, meio sonolento, não se deu muito por conta e continuou suas meditações. Nem sequer passava-lhe pela cabeça abrir o manual de dosagem de concreto que trazia em mãos. Após exatos três minutos, durante os quais a velha senhora medira nosso herói da ponta do dedão ao último fio de cabelo, a mesma não se agüentou e mostrou-se disposta a prosa:
--- Desculpe meu filho, vejo que você é estudante, não é mesmo?
--- Antes fosse minha senhora... antes fosse!
--- Abandonou o curso?
--- Não.
--- Foi jubilado?
O Ed olhou de canto de olho a anciã, mas se conteve:
--- Terminei Engenharia Civil na UERJ, faz dois anos. Mas alguma pergunta, madame?
--- Não fique assim, meu filhinho! Vejo em você um rapaz esforçado.
Ed fez menção que dava o assunto por encerrado e ia tirar um cochilo, mas a velha emendou:
--- Você sabe que posso mudar a sua vida, meu garoto?
--- Como assim? – despertou o rapaz meio descrente, mas interessado em qualquer mãozinha do além que lhe tirasse do sufoco, ainda que viesse de lugar inaudito.
--- Eu fiz um curso de leitura da mão, com a Tia Sinhá – famosa cartomante da Ilha da Conceição – e posso predizer o seu futuro! Quer experimentar?
--- Bem.. eu nunca...
--- Passe para cá sua mão esquerda!
Sem maiores delongas a velha assenhorou-se da mão do jovem e começou a explicação:
--- Veja a sua mão! Calejada por sinal! Você tem três grandes linhas na palma da sua mão: a da inteligência, a da vida e a do amor! – nesse instante Ed já se renderá ao discurso da senhora e acompanhava meio pasmo a palestra da vidente.
--- Esta mais diminuta é a linha da inteligência. Você parece esforçado, mas não tem uma inteligência brilhante! Não quero ofendê-lo, apenas digo os fatos para chegarmos a um diagnóstico de seus problemas. O Ed se limitará a olhar a anciã como quem diz isto vai durar muito. A senhora não se abalou e continuou:
--- Esta outra maior, paralela a primeira é a linha da vida. Veja como ela percorre toda sua mão! Você vai ter vida longa! Mas o amor será mais difícil, pois a linha que o descreve está cruzando perpendicularmente a linha da vida! Amor platônico, mas surreal...
--- O quer tudo isso, vovozinha?
--- Não se precipite, meu jovem! Pela aspereza da sua pele, vejo que você é um rapaz honesto, mas que teve poucas oportunidades intelectuais...você trabalha em construção?
--- Fazer o que, trabalho - admitiu, desiludido.
--- Olha só meu filhinho. Vida longa, pouco promissora, dificuldades no amor devido às restrições do orçamento... é para desanimar. mas tudo tem solução!
--- Até agora a senhora acertou na mosca! Mas eu quero solução e não diagnóstico! – redargüiu o Ed, vendo que se aproximava o fim da travessia.
--- Meu filho, você já pensou em fazer um MBA em uma Faculdade da hora?
--- MB o que ?
--- Master Business Administration, meu filho! Ali você aprende todas as técnicas de networking! É tiro e queda! O importante nessa vida são os contatos, meu jovem?
--- Mas o que é esse tal de networking, minha senhora?!?
--- Em linguagem coloquial, é arte de fazer amigos em benefício próprio. Uma vez na panela você nunca mais sai do mercado!
--- É mesmo? Tem certeza?
A barca encostou e a velha sorriu para o rapaz e disse de mansinho:
--- Meu filho MBA é tiro e queda! Ou você vai querer passar a vida toda virando concreto e namorando menina pobre e feia? – mal falou isso, a senhora se misturou a multidão e desapareceu das vistas do Ed. O Ed desceu sorridente e seus pensamentos , agora, não eram mais de exclusividade da Dulcinéia!

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Dois pinguinhos

Fala galera, blza?

Espero que vocês estejam esquentando os tmborins nessas proximidades festivas!

Frase da semana: "O sol nasce pra todos , mas a sombra só pra alguns" (amigo de copo)

Vai uma cronicazinha prá relaxar:

Dois pinguinhos

Tremendo suador na oficina do Zé Bacalhau, na beira do Parque Xangai –coração da Vila da Penha -, passava eu, enquanto esperava pelo conserto do escapamento do meu “chevelho”. O carro já tinha dado mais do que podia, mais pobre que é pobre estica sempre o orçamento apelando para o apego sentimental. “Este aqui já passou comigo poucas e boas”... frases que povoavam meus pensamentos, tentando justificar o desconsolo ocasionado pela escassez de recursos. Afinal, justamente neste dia, cumpria o meu primeiro aniversário como desempregado...regado a bom humor, água mineral e, no máximo, uma idazinha no “Maraca” “prá” dar uma força contra o rebaixamento do Flamengo.
Acelera daqui, acelera dali, o Zé olha para mim com cara de piedade e um risinho sarcástico no canto da boca:
---- É , Doutor, o seu possante “tá” com um probleminha de junta!
---- De junta Zé ?
---- Junta tudo e joga fora!!!
---- Ô, seu “sacana”, tu “tá” curtindo uma comigo porque eu “tô” no veneno! Nada como um dia atrás do outro...com uma noite no meio! Tu ainda vai me ver nas paradas de sucesso!!! O que é meu o bicho não come!!!
Neste meio tempo, aproxima-se do local de trabalho um sujeito cheio de ginga, arrastando sua havaina, dispara em minha direção:
---- Patrãozinho, tens cinco pratas “preu” poder fazer uma fumaça ?
---- Vai de retro satanás, “num” tá vendo o meu carro! Eu “tô” na podre meu irmão!!!
---- “Pô” chefia, mas esse volume no teu bolso é um tremendo Marlboro! Libera um “pro” teu camarada!
---- Que cigarro, rapaz ?!? Isso aqui é colírio!!!
Sem perder a calma o astuto mandou essa:
---- Então coloca dois pinguinhos aqui no meu olho esquerdo.. que “tá” doendo a semana toda!
---- Sai fora seu “mané” !!!
Nessa o Zé já ria a solta, presenciando a cena pitoresca... enquanto o malandro ia se afastando com um ar “de que a gente ainda se cruza por aí”. Eu já estava meio de mal humor com a situação quando o Zé corrigiu o rumo da vida com a pérola:
---- É, Doutor, a coisa “tá” feia “pro” teu lado. Em rio de piranha jacaré nada “discosta”!!!
---- “Te emenda”, Zé!!! Completei, recuperando a alegria. Acaba isso aí “prá” gente tomar umazinha e baixar o nível de stress!

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Passado

Fala Galera, blza?

Para variar um pouquinho, segue uma poesia pra levantar o astral da galera nestes tempos de crise e esquecer do passado e suas negatividades!

Frase da semana: "Poesia é que nem esperança: ajuda o tempo passar!" (AN)

Ah muleque!

Passado

O meu prezado,
você que vive no pretérito,
Mas pra que tanto inquérito?
Deixa a vida te levar
e larga a mão do teu passado!

De mais a mais,
onde queres chegar?
O tempo não vai voltar.
De que adianta choramingar?

A água já rolou,
a ponte nem existe mais,
pra que esquentar demais,
se a mágoa já passou?

Balança o esqueleto pra frente,
põe o teu bloco na rua,
varre a tristeza de casa
e coloca o foco no momento presente!

Se a vida fosse só vitória,
Se não houvesse crise,
De quem seria a glória?
Qual é a graça de ser triste?

Arrisque na dificuldade,
Avance sobre a fraqueza
e não esqueça:
de pessimistas de plantão o inferno está cheio
mas a eles não cabe nenhum galardão!

Toca pra frente meu irmão!

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Data Venia

Pessoal, blz?

Segue abaixo a crônica da semana e a frase da semana!

Abs

Armando Neto

FRASE: "Debaixo do meu guarda-sol só rola Skol!!! " Ah muleque! (AN)


Data venia

Não tinha conversa. Aquela aula de Direito Processual do Roldinei era pior que ressaca de whisky nacional. Entrava ano, saia ano, e ninguém conseguia transferir a espaço reservado para sexta à noite da mal afamada classe. E pior é que o Direito Processual percorria os quatro últimos anos, sem mudança de professor durante todo o curso. O Roldinei, ou melhor Dr. Roldinei de Bulhões – excelentíssimo Procurador Geral do Estado – alugara aquela vaguinha no horário e, jamais se ouvia dizer desde a fundação da UFF, que o supracitado dispensasse a chamada. Assim, só as gestantes – depois do sétimo mês, é claro – gozavam do abono de falta. Não era o nosso caso...marmanjos consagrados ao culto do deus Baco, aquele espaço seria perfeito para nossas oblações à divindade grega, cujo templo situava-se defronte a faculdade, mais precisamente no bar Dura Lex, sed lex. Como dizia o cartaz dependurado nas paredes descascadas do egrégio estabelecimento: A lei é dura, mas cede! Lá se encontrava o lugar perfeito para destilar a lei de seu caráter coercitivo, dando asas à flexibilidade de espírito.

No entanto, a rigidez do Roldinei era o principal obstáculo para que cumpríssemos nosso preceito semanal da cervejinha na sexta. Abaixo assinado, recurso junto à reitoria, tudo já havia sido tentado. No quarto ano – ou seja, quando cursávamos o Direito Processual III -, o Ramos, caixa do Banerj e companheiro de sala, tentou simular um ataque epilético no intuito de interromper a palestra do Dinei– como carinhosamente o chamávamos. Porém não obteve sucesso. A velha raposa, conhecedor de todas artimanhas provindas dos bancos escolares, sacara na hora a falsidade do ladino. Imperturbável, chamou o enfermeiro de plantão o Isac – um negão pra mais de metro, que no Carnaval ganhava um troco de segurança no Sambódromo . O Isac, que há anos prestava esse tipo de serviço ao corpo discente, aplicou uma tremenda benzetacil no Ramos – que não pôde nem sentar no banco do ônibus, durante todo o trajeto até Caxias, sua pátria natal.

No quinto ano a massa já estava à beira de uma revolta popular pela liberação da sexta, ainda que todo o processo corria no submundo do grêmio, longe das vistas de qualquer autoridade. O líder da revolta era o Carlinhos Scala, cuja alcunha já revelava um gosto confesso pela vida noturna. Popular entre as meninas por ser articulado e bronzeado de praia, o Carlinhos não era muito íntimo dos códigos e manuais. Seu desempenho sofrível era compensado pela especialização em leitura à distância de prova alheia. Enfim, era o perfeito líder para uma comunidade acadêmica à beira da ebulição.

Na semana do Sete de Setembro, famosa semana da paciência esgotada - ou semana do saco, como era mais conhecida -, em que os alunos extenuados pela exigência do curso de Direito instituíram por decreto como espaço vacante, íamos eu e Doca – ambos papa-goiabas – no fusqueta 69 da mãe dele, pela ponte rumo a casa do Scala, no Alto Leblon – onde a turma se confraternizaria em churrascada apoplética.

De repente, na altura do vão central – ponto mais alto da via – fomos emparelhados um BMW preto a mais de 120 kilometros por hora. Apesar da rapidez da ultrapassagem, distinguimos um coroa de óculos escuros, com a cara do Dinei, trajando uma camisa regata, como quem vai a direção de Ipanema. Nem hesitei e ordenei ao Doca:

--- Acelera essa lata velha Doca, que eu acho que é o Dinei! Ele tá indo pra praia. Vamos segui-lo!

--- Tá maluco, meu irmão! Nem que eu quisesse! Essa tralha aqui geme quando chega a 80!

Ia ser um tremendo furo! A glória da nossa dupla perante a turma. Mas com o fusca...projeto abortado. Justo hoje que a gente tinha trazido máquina para fotografar a festa, teríamos a chance de pegar o mestre com a boca na botija...Lamentavelmente, o BMW nos fez comer poeira e demos a idéia como falida. Contudo como todo mendigo tem um dia de rei na vida, o trânsito complicou-se mais adiante, perto da guarita da polícia, já quase na entrada da Francisco Bicalho. A polícia estava dando um blitz inesperada, pois o Jornal Nacional, durante toda aquela semana, noticiara que diversos cidadãos estavam dirigindo com suas documentos vencidos.

Fomos ordenados a parar pelo policial para checagem dos documentos do veículo e do motorista. Quando estacionamos, vimos um senhor discutindo acaloradamente com o guarda a dois carros do nosso..era o Dinei!!! Foi como se a glória do Céu se abrisse para nós dois e entrássemos pelo paraíso carregados por anjos! Nunca a sorte me sorrira com seus dentes tão brilhantes! O estupefato motorista da BMW não possuia aquele linguajar rebuscado e formal das aulas de Processo! Que data venia, Vossa Senhoria, que nada! Era daquilo pra baixo!!! Sorrateiramente – o Doca portanto a máquina, evidentemente - , aproximamo-nos para ouvir melhor a discussão e captar o melhor ângulo para foto. A situação estava ficando feia:

--- Olha aqui seu imbecil, sou Procurador Geral do Estado! Se tu implicares com os meus documentos vou te banir da Polícia!

--- Meu senhor, estou cumprindo minhas funções! De mais a mais, nem que fosse a Xuxa eu ia te dar mole! Quanto mais um coroa, metido à autoridade, vai me dar medo!

O ilustre Procurador ia colocar a mão no bolso para dar a tradicional carteirada no coitado do policial rodoviário, quando se ouviu o barulho do flash da câmera do Doca, acompanhado pelo clarão de luz! O mestre olhou para trás meio surpreso e ficou desnorteado quando nos reconheceu. A partir daí, esqueceu momentaneamente o guarda e dirigiu sua fúria para nós:

--- Olha aqui, seus dois bulhas, me dá essa câmera senão vocês nunca vão ver a cor do diploma!

--- Sem stress, mestre...relaxa! Vamos conversar com calma– falou o Doca, malandro acostumado as lides das duras negociações.

--- Não tem conversa com mau aluno! Passa pra cá essa câmera!

--- Vai devagar professor, o senhor pode ter um enfarte se essa foto aparece no Jornal Nacional... Já pensou a manchete na voz altisonante do Wiliam Bonner: Procurador do Estado flagrado por dois estudantes dando carteirada em policial rodoviário? Pode ser a ruína de uma carreira brilhante!

O coroa já dava mostras de seu nervosismo, sabendo que a ameaça podia significar o fim de seu sonho de Desembargador! Consciente disso, mudou subitamente o tom de suas palavras:

--- O Doca, você sempre foi um rapaz equilibrado – acentuou com mansidão em sua voz. Veja bem, qual a vantagem em prejudicar meu futuro profissional. ademais, eu posso indicar ambos para os melhores escritórios de Advocacia do país. Já pensaram numa carreira brilhante num escritório do porte do Pinheiro Neto, por exemplo... isto significa grana preta! Pensem bem!

Com o professor em nossas mãos, selei nossa proposta de acordo:

--- Caro mestre, agradeço a indicação desinteressada de sua parte, mas queria propor-lhe uma contra-oferta:

--- Diga lá, meu jovem! - soou a voz cálida do mestre.

--- Transfira sua aula de sexta para quinta, trocando com o professor de Civil e lhe entregaremos a foto, assim que vier o ofício da secretaria da escola confirmando a modificação do horário.

--- Isso não, seus abusados! Este horário é meu há mais de 18 anos!

--- Cuidado com o Bonner, mestre!

Como se pode imaginar, após alguns minutos de diálogo, o professor encurralado cedeu às nossas pressões. Porém, o mesmo só ficou tranqüilo quando lhe entregamos a foto e o negativo, após a oficialização do novo horário da disciplina como quinta-feira. Por vezes, o destino colhe nas mãos os fracos, e qual David, assestamos a cabeça do gigante com a pedra da sorte. Quem imaginaria que aquele velho emproado e cheio de si, caísse nas garras de desconhecidos alunos, cujos sobrenomes não emolduravam nenhuma das plaquetas dos escritórios mais afamados da cidade! Data venia amigos, algum dia na vida tem que ser o dia da caça!

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Crônica da semana - Volta pro crime

Volta pro crime


Largo da Carioca. Cruzamento dos mais movimentados do Rio. Ali se mesclam todas as classes sociais e ambições num colorido que iguala todos os mortais. Desfilam os executivos apressados, trajados de ternos bem cortados e reluzentes maletas de couro; secretárias, que parecem ter vindo da passarela, a procura de seu príncipe encantado; office-boys sorrindo e cantando o último sucesso do Zeca Pagodinho; pastores sem rebanho a desfiar seu repertório de ameaças contra o mundo descrente; suburbanos de roupas surradas, portando desconjuntadas pastas de plástico repletas de papéis sem importância...

Neste recanto sem charme, cercado de torreões de concreto feito pombais humanos, burbulham vários artistas de rua, que na dura luta pela sobrevivência, conseguem seus cobres fazendo sorrir a massa que pára para assistir suas proezas.

Dentre estes, sempre se destacou, pela sua alegria e genialidade, o Jair da Bola, morador da Pavuna, que ganhava a vida com seu show de inusitadas embaixadas. Da carreira frustada de jogador, desenvolvera incrível controle, sendo capaz vestir e desvestir a camisa de seleção, sem deixar a bola cair no chão.

Num desses verões escaldantes, em que o carioca de terno parece levar uma cachoeira dentro de si, dirigia-me, ofegante e apressado, para uma reunião na Petrobras. Ao perceber o Jair executando seus malabarismos, cercado de uma roda de transeuntes desconhecidos, não resisti e parei para me juntar ao grupo. Depois arrumo uma desculpa pela demora – pensei cá comigo.

O show era sempre recheado de piadas, contando com a participação do público. No canto esquerdo do círculo, encontravam-se dois meninos de rua, fitando assombrados o artista. O Jair se deu conta e parou a exibição por uns instantes. Olhando os dois fixamente, rolou a bola para o mais alto de cabelos desgrenhados. O garoto, sem cerimônia, ergueu a pelota e deu uma demonstração de sua habilidade. O Jair, absorto, comentou:

---- Tem futuro!

Sem solução de continuidade, rolou a bola para o outro garoto, um pouco mais gordo e atarracado. Ao tentar matar a bola, bateu de canela e o balão saiu de seu domínio. O Jair não perdoou e emendou:

--- Volta pro crime, moleque!

A roda estalou a rir freneticamente e os dois garotos sumiram na multidão. Deus queira que o futuro dos meninos de rua não esteja condicionado unicamente as suas aptidões esportivas.