Fala Galera, tranquilidade?
Segue uma cronicazinha sobre o tempo da Páscoa para dar uma aliviada!
ESQUIMÓ
A parafina está para o chocolate assim como a paciência está para o amor. Esta breve introdução serve bem para explicar o amor decadente entre Márcio –um jornalista desempregado há 5 anos – e Sueli – sua esposa, enfermeira de profissão e dona de casa por opção. O casal vivia da parca pensão de ex-militar que o pai da moça deixara. Há tempos o calor inicial da paixão se tinha esvaído e a convivência, qual sol de fim de tarde, abeirava-se lentamente no parapeito do ocaso.
Assíduo leitor dos classificados, Marcos já estava apelando para qualquer santo, na linha do “quem não tem tu vai tu mesmo”, estava valendo até vendedor de curso de inglês “Follow me”. O diabo é que, numa área tão restrita como o jornalismo, não pintava nada fixo nem, menos ainda, remunerado de forma razoável. Marcos só defendia algum trocado desenhando faces humanas na saída do metro da Carioca. Era incrível, mas coincidentemente são as pessoas mais feias que querem retratos de seus artistas prediletos. Munido de algumas fotos arquimanjadas de celebridades nacionais, cada dia, nosso artista fazia uma média de 2 gravuras, rendendo-lhe mirrados dez reais. Descontada a condução, ainda sobravam 5 pratas para um lauto almoço no famoso ESQUIMÓ, sito a Travessa do Ouvidor, próximo à estátua do Pixinguinha – com direito a pudim de quase leite e “laranjágua” à vontade.
Nessas refeições no ESQUIMÒ, onde os pobres se encontram, há uma espécie de código de silêncio, poupando os personagens de reproduzirem de forma sonora suas desgraças e ladainhas de pessimismo diárias. Cada um concentra-se fixamente no prato, com olhar de cachorro magro e ingere toda quantidade de comida, seja ela qual for, depositada no recipiente redondo. Não escapava nem grão de arroz duro. Ao acabar, aquela tradicional limpada nos beiços cor de vermelho tomate, e depois um café de pensão, o famoso 3F (feio, frio e fedido), bem aguado e com bastante açúcar.
Depois de pagar, só restava dirigir-se lentamente para o Metro Carioca. Batia uma certa depressão ao passar pela livraria da Travessa, cheia de gente chic, e não poder parar com medo de encontrar alguém conhecido e, mais uma vez, ter de contar suas aventuras de infortúnio. Esse negócio de chorar as mágoas para conseguir compaixão de outrem não fazia o gênero do Marcos. Nos bons tempos, quando chefiava a secção de restaurantes famosos do caderno “Domingo” do JB, Marcos era um sujeito espirituoso, de fala fácil, sempre jogando o astral dos colegas para cima. Sobrava até algum pra tomar uma cervejinha de sexta à noite. Agora as economias não davam para qualquer extra. Ir ao Maracá? Nem pensar! Dava até separação!
Cada ano, quando se aproximava a Páscoa, um nó na garganta ia se apertando cada vez mais a garganta do nosso herói, constrangido de não poder comprar nem um Kinder Ovo para o seu filho único e adotivo, o pequeno Francis (Francenildo Carlos da Silva). O garoto já tinha 8 anos e só conhecia chocolate pelas fotos de outdoor. Seu pai estava quebrando a cabeça, mas não encontrava forma de lhe comprar um ovo de páscoa. Que fazer? Era pouco provável ajuntar algum dinheiro a mais com as duas gravuras por dia. O trabalho era minucioso e lento. Não se pode apressar a criação: ela é fruto da contemplação da realidade do mundo que nos cerca e pode ser crítica ou admirativa. Mas sempre tem uma pitada de subjetivo do autor que lhe adorna com as fantasias da alegria ou da tristeza.
Num desses fins de tarde tipo natureza morta, quando nosso amigo já ia recolhendo os seus pincéis, sentiu-se tocado por trás por um garoto de rua conhecido na região por Casé (Carlos José não se sabe de que, 13 anos, filho legítimo do mundo, sem pai nem mãe nem genealogia).
--- Seu Marcos, desenha para mim o papai Noel?
--- Ô moleque, tu tá meio atrasado, já é época de coelho da Páscoa, rapaz!
--- Ta certo! Marrr me desenha um assim mermo. É para o meu irmão menor o Teco Bala Perdida. Ele nunca ganhou um presente de verdade! Só ganha brinquedo velho e arrebentado de criança rica.
--- Ô Caze, já é tarde! Se começar agora, vou perdera lotação das seis para Madureira!
--- Pô seu Marcos! Que vacilo! Amanhã é o aniversário dele e ele nem se liga nessa parada de Páscoa! Ele nem sabe o que é coelho! A gente só conhece as preás do Campo de Santana que os mendigos fazem churrasquinho! Eu tô na podre!
--- Ta bom! Coçou a cabeça o pintor, repôs os pincéis em seu lugar e recomeçou desenhar o bom velhinho para o garoto. Obviamente, tal tarefa era na moral...sem qualquer recompensa senão a alegria do menino e seu irmãozinho.
Quando o Marcos estava dando os últimos retoques no quadro, ouviu-se um grito de pânico na Carioca:
--- Ó o rapa! Ó o rapa! Se agita galera!
Os camelôs que já estão preparados para fuga, têm as mercadorias colocadas em uma lona estendida, com uma corda que passa por quatro buracos no extremo do tecido.Quando chega a guarda municipal, é só puxar a corda que a lona se fecha com as mercadorias e se está pronto para fugir correndo.
Nessa carreira desabalada, a guarda municipal e os camelôs derrubaram o tripé do quadro e derramaram-se todas as tintas no chão. Era o fim do Papai Noel do Teco!
Marcos, ainda caído no chão, tentava juntar os seus próprios cacos e levantar. Quando se deu por si, viu a obra arruinada e percebeu que o menino já também se tinha ido, fugindo dos guardas que nem diabo da cruz. Quando se apoiou para se levantar, pôs sua mãe sobre uma caixa retangular grande, de uns 50 cm de altura. Ao abri-la, deparou-se com um coelho de chocolate de tamanho natural com o interior recheado de bombons de licor. Estava realizado, com juros, o desejo do Francis.
Bendito Papai Noel que trouxe o coelho da Páscoa!!!
sexta-feira, 24 de abril de 2009
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