quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Copacabana, princezinha do mar...

Fala galera, blz?

O glorioso em decadência é difícil de aguentar...

Segue uma crônica de um dos lugares de mais glamour do Rio antigo: Copacabana!

abs

Armandão

Solidão


Duvivier, recanto charmoso dos anos 50 em Copacabana...hoje já quase sem glamour devido à população que o circunda. Este cantinho de Copa, assim como toda quase toda a orla da praia mais famosa do mundo, abriga uma multidão de cidadãos aposentados, sem mais compromisso que jogar conversa fora e as andanças pelo calçadão da Atlântica.
Nesse contexto, enquadra-se perfeitamente o Bar do Adriano, ex-comissário da Varig que tendo apanhado uma grana no plano de demissão voluntária dessa companhia quase estatal – criada à sombra dos favores do Governo Federal -, abriu seu comércio com a ilusão de enriquecer facilmente como empresário do varejo...só os portugueses sabem da dura lide de microempresário, encostando a barriga no balcão para granjear seus lucros, sem direito a fim de semana - que dirá férias!
Típico cidadão carioca, dotado de boa prosa e sempre de bem com a vida, o pequeno empresário possuia alguns dons – principalmente o da simpatia – que lhe seriam fundamentais para sobreviver nesse ramo tão competitivo. Porquê tanta gente quebra no setor de alimentação, quando há sempre demanda por comida? É difícil entender...mas como em tudo na vida o sucesso está nos detalhes, que muitas vezes passam desapercebidos para os olhos de muitos, encardidos pela rotina do dia-a-dia.
Nosso encontro foi casual, uma vez que não tenho qualquer interface com o setor de alimentos. Na condição de inspetor de seguros, compareci ao seu estabelecimento para fazer uma vistoria prévia à contratação da apólice de incêndio, solicitada pelo banco do qual o mesmo é correntista. Cheguei, sentei e fui esperando a chegada do proprietário como de costume. Já estava preparado para o chá de cadeira e o mau humor do dono – na maioria das vezes, as pessoas detestam qualquer coisa que lhes faça sair da segurança de sua rotina...quanto mais pensar! Não deu cinco minutos e chegou o personagem:
--- Fala meu irmãozinho! Desculpe a espera. Acabei de chegar. Aceita uma água ou café?
--- Que é isso. Não tem problema, não. Se tiver uma mineral sem gás, agradeço.
--- Ô Maria, uma mineral pro ilustre!
--- Você tem o restaurante há muito tempo? – fui perguntando descontraidamente uma das questões daquele porre de questionário.
--- Faz uns nove anos, sabe. O que eu fiz eu não aconselho pra ninguém...Tinha um empregão como comissário da Varig, mas peguei o plano de demissão voluntária, o afamado PDV, e pus tudo aqui no restaurante. Foi uma loucura...mas estou sobrevivendo.
Graças a Deus a conversa começou a caminhar fora dos trilhos do formulário e ameaçava adentrar pelo extenso campo da filosofia do cotidiano...muito mais interessante que essa maçada de seguros!
--- Sabe duma coisa, meu amigo? Pra sobreviver no comércio tem que ter arte e sorte, assim como na vida! Eu cheguei pensando que era só oferecer comida percebi quão longe estava da realidade...
--- É mesmo? – perguntei convidando-o a estender sua palestra.
--- Não é mole, não! Aqui em Copa vive uma porção de aposentados, gente solitária...Muito mais que a comida em si, o serviço inclui a atenção e prosear com a gente...há muita solidão...
Suas palavras foram corroboradas pelas várias interrupções de anciãos que vinham espontaneamente puxar papo com o Adriano.
--- É duro chegar assim no fim da vida...solidão chega a matar!
--- Mas porquê você pensa desse jeito? Afinal a grande maioria da gente aqui tem condição financeira...
--- Mas não tem amigos pra conversar! E a família se esqueceu deles há bastante tempo...
Era uma realidade para a qual nunca tinha atentado. É verdade. Existe um exército de pessoas na Zona Sul, principalmente, com dinheiro, mas que padece de uma estranha solidão. Que maneira de se acabar os dias. Parece vingança da própria vida, que acerta as contas contra certos mitos modernos: curta a juventude no limite; tenha poucos filhos para poder dar um bom padrão de vida a eles...no máximo o casalzinho; cuide de seu corpo como se fosse imortal...Porém, a natureza é sabia, sempre voltando a recolocar o rio fora de madre em seu curso original. Quando nos deixamos iludir por essas máximas, a terceira idade é um desespero...A constatação de que a vida se nos vai e com ela a beleza e o vigor da juventude – quando não há um pano de fundo com algo de maior valor, quando não há o que os clássicos chamam de sentido para a vida – os dias transcorrem sem medo, contudo desprovidos de esperança! Sine spe nec metu – como diz o adágio latino! O preço de tranqüilizar a consciência com os sucedâneos do dolce fa niente – a alegria do animal bem alimentado em todas suas dimensões de besta – pode conduzir a uma tristeza profunda, ainda que arroupada pela cultura do bom burguês...
Não tinha jeito e, forçosamente, voltei a me ater às perguntas para terminar meu trabalho. Foi, talvez, a meia-hora mais valiosa daquele dia. Saí de lá com uma convicção profunda: O Vinícius de Moraes estava mais que certo quando dizia que “quem já passou por essa vida e não sofreu, sabe mais, mas sabe menos do que eu” . Afinal, completando a canção do poeta, “a vida só se dá pra quem se deu”!

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Difícil relação pais x filhos + psicólogos

Fala pessoal, tql?

Segue uma produção das antigas!

Abs

Armandão

Metamorfose


Saens Pena. O nome do poeta argentino é emprestado à praça mais charmosa e movimentada da Tijuca, que em troca o brindou com a taça da imortalidade. Penso que nem sequer o literato platino poderia antever tanto prestígio exatamente na nação vizinha, fazendo parte do coração dos cariocas.
A poluição das grandes cidades assemelha-se à alma humana, cuja tonalidade cinza não permite ver o interior. Na Saens Pena é um pouco diferente, pois ainda que encoberta pela vista das favelas, a Floresta da Tijuca insiste em emoldurar a vista da região, atenuando o espírito qual encontro de enamorados, desanuviando as agruras da realidade cotidiana cheia de claros e sombras. Os momentos de luz ajudam-nos a poder caminhar por entre a escuridão do dia-a-dia sempre a pedir um fio de esperança para continuar a viver. Vive-se de algo e para algo...empurrar com a barriga é medicina sem princípio ativo; é o comprimido de farinha que não cura e nem mata...é o viver por nada e para nada levando a um tédio de lascar!
Assim, alegremente, vegetava pela praça um subproduto da sociedade moderna, mais morto que vivo, apesar da juventude musculosa dos seus dezoito anos. O Fred, terceira geração de família portuguesa, sempre de bem com a vida, tendo fama de boa praça, sujeito pacífico e desocupado, deslizava pela existência com a suavidade da água sem deixar marca - nem para o bem nem para o mal, nem à direita nem à esquerda – tendo como objetivo último à camaradagem sem compromisso, vestindo a própria definição do gente boa. Não fazia mal a ninguém, mas sua boa vontade jamais ultrapassava a alegre prosa de roda de bar, onde a vida se resolve e os problemas se equacionam com simplicidade. Nestes círculos da mais pura filosofia da rua, sempre acompanhados pela cervejinha e da batucada, agrupam-se, sem distinção de qualquer gênero, os mais variados tipos da fauna humana, que conseguem superar o anonimato e obtêm quinze minutos de glórias desfiando proezas imaginárias e estórias de amoricos inverossímeis – quem conhece esses heróis na vida real não poderia imaginar da audácia desses contadores de vantagem, que só o podem fazer quando cruzam o limite da sobriedade. Sem platéia como somos diferentes! O espelho da própria alma não nos deixa mentir para nós mesmos sem um travo de fel...
Frederico Martins Ruas cursava o terceiro ano do segundo grau no São José, escola decadente, que outrora albergara nomes ilustres da sociedade local e até um ex-aluno chegara à presidência da República em passagem meteórica. Sua agenda se dividia entre as aulas, as freqüentes idas a Barra da Tijuca para a prática do surf, o tempo investido diariamente na academia – parte na sala de musculação e parte nas aulas de Jiu-Jitsu – e as incursões ao Barra Shopping. Sua boa inteligência, aliada a falta de exigência das escolas atuais, fazia com que o tempo dedicado ao estudo se resumisse ao comparecimento às aulas, poucas vezes complementado por trabalhos extraclasse. Assim, o Fred dispunha de grande parcela do tempo para ser investida nas areias, nos tatames e nas andanças pelo shopping. Resultado: sua cabeça era um fervilhar de idéias desconexas, sem uma direção consistente, adocicadas pelo jeitão bonachão e levadas daqui para lá pelo sabor agridoce dos sentimentos.
O terceiro ano do segundo grau representa sempre um pausa nas atividades normais, dada a proximidade do vestibular. Como a maioria de seus amigos, o Fred estava imbuído na difícil empreitada e tinha mirado alto: entrar na medicina do Fundão. Ficaram, desta sorte, reduzidos seus compromissos sociais e desportivos. Até sua namorada, a Priscila – estudante do primeiro colegial do Colégio Impacto, sentiu os efeitos da determinação do rapaz. Seu quarto estava repleto de fórmulas das matérias de exatas pelas paredes. Aos sábados à tarde o Machado de Assis passara a ser seu novo companheiro, pois era certo que a prova de literatura fatalmente incluiria um de seus personagens. Era uma mudança radical.
Lá por setembro, quando rompeu seu enlace de ocasião, foi a gota da d’água para as preocupações de Dona Assunção – porquê todo infrafilho tem uma supermãe? – raiassem a neurose. Descontente com a obstinação do filho, segundo seu juízo, resolveu intervir impondo ao rapaz um maior relaxamento e a introdução de uma nova amiga: Dra. Raquel – antiga amiga da mãe e psicóloga de prestígio no bairro.
--- Como pode um rapaz de dezoito anos, na flor da mocidade, estudar duas horas por dia? – indagava-se a progenitora.
--- Manhê, deixa disso, certo? Nunca vi mãe nenhuma reclamar porque o filho quer entrar em faculdade pública? Ou a senhora acha que o velho tá a fim de por a mão no bolso se pode economizar umas duas pratas?
--- Dinheiro não é tudo na vida, meu filho! Será possível que alguém deixa uma namorada como a Priscila, filha do Silva da padaria Lusitânia, por causa do vestibular?
--- Ora pois, Dona Assunção!– o recurso da troça era sempre usado para tirar a mãe dos eixos e eliminar sua intromissão indevida em vida alheia. Até a torcida do Flamengo sabe essa garota é sinistra. Só esse ano já esteve namorando uns dez caras do Impacto.
--- Você agora está ficando fundamentalista!
--- Não. De maneira alguma. Só estou aplicando o mesmo julgamento que a senhora faz das minhas primas do Leblon!
--- Não tem nada a ver comparar a Priscila com as desmioladas das filhas do Chagas!
--- Certo, certo...Bom acho que vou indo ao cursinho para aula de reforço de física.
--- Aula de reforço de física? Para vestibular de medicina?
--- Mãe, pela última vez, esta matéria tem grande peso no vestibular e não vou ficar refém dos teus caprichos! Já engoli esta tal de Dra. Raquel e basta. Não enche as medidas senão será o fim destas seções insuportáveis de análise que ligam o nada com o coisa nenhuma!
--- Você é um cabeça dura Fred...pior que o teu pai! Pode ir, mas não te permito faltar a psicóloga de jeito algum!
--- Tchau mãe..foi um prazer incrível desfrutar da tua companhia.
Sem dar tempo para contestação, bateu a porta e dirigiu-se ao elevador. Rumou para o colégio, ensimesmado por suas meditações. Seria possível que a corujice da portuguesa raiasse a loucura? Que havia de mal na pausa de certas atividades superficiais em prol de uma vaga na medicina do Fundão? Os argumentos da mãe, como costuma acontecer, eram desprovidos de qualquer racionalidade e continham traços indisfarçáveis de egoísmo e de ingenuidade maternas, procurando manter os filhos sob suas saias a qualquer preço! Mesmo a custo de um futuro profissional promissor! Santa ignorância. Normalmente, quando a família age desta forma, à primeira chance, os filhos pulam fora e não querem mais saber do excesso de proteção familiar, deixando os pais no último lugar das suas prioridades.
Lá pelas cinco e meia da tarde, a porta do apartamento abriu-se, tragando por sua abertura um extenuado vestibulando a procura de refrigério na geladeira repleta de Coca-colas. Sentou-se sem cerimônia na cama do quarto e abriu a apostila de biologia. Mal se recostou foi brutalmente interpelado:
--- Você esqueceu da consulta com Dra. Raquel às seis?
--- Aí meu Deus...tortura hoje não! Aquela coroa é uma mala! Me libera dessa, mãe? Fala sério!
--- Não tem choro nem vela. Pode ir descolando o busanfã da cama e pondo a calça! Vamos no meu carro.
--- Ta ok, mãe. Mas eu vou sozinho e de ônibus. É cinco minutos daqui pegando o 410. Não leva a mal Dona Assunção, a senhora dirige pior que o Barichelo!
--- Tá bem. Mas se você for assaltado o problema é seu!
--- Tchau mãe, te vejo no jantar! Vai com a Yolanda na liquidação do Tijuca Off Price e me deixa em paz!
Falou e foi saindo com aquela cara de mártir às portas da eternidade. Tudo bem...senão tem tu, vai tu mesmo – como diz o ditado. Era melhor enfrentar a fera por meia hora e ver-se livre da insanidade maternal. Ninguém morre por trinta minutos de papo furado – tentava consolar o rapaz ao entrar no consultório.
Depois da tradicional espera de uma hora – psicólogo pontual só se for na Alemanha -, foi anunciado pela secretária, digo melhor assistente – uma vez que as mulheres detestam essa alcunha que lhes desprovê de importância, segundo seu julgamento -, à doutora.
--- Oi Fred! Que camisa elegante! Tudo bem com você, meu queridinho?
--- Tudo...O Fred odiava essas melosidades, ainda mais advindas de anciã metida à coroa interessante.
--- Contes-me tudo e não me escondas nada, meu benzinho! Você reviu as suas posições a respeito da sua vida pessoal? Pretendes ficar pra titia?
--- Dona Raquel, quer dizer Dra. Raquel, vamos conversar sem diminutivos e ir direto ao ponto!
--- O meu neném está ficando maduro e cruzando a puberdade! Soube que as meninas estão de olho em você. É verdade?
--- Como a senhora bem reparou, já estou um homenzinho pra agüentar conversa de quarentona! Vamos aos fatos!
--- Não fique nervoso, meu amorzinho! Não se reprima. Como Freud ensinava é preciso dar vazão às energias interiores e liberar os instintos!
--- Dra. Raquel, se fosse liberar os instintos a senhora estaria no hospital a essa hora e eu na jaula! Por favor, vamos tornar esta entrevista tão agradável quanto possível!
--- Perdão meu gatinho? Como vai a Pri?
--- Chega Doutora! Por que a senhora não abre um Chat de encontros de namorados na Internet e fecha sua clínica? Daria mais dinheiro e não encheria o...
--- Rapazinho, é melhor você voltar ao Jiu-Jitsu na academia do Marcelo Teixeira! Lá você vai encontrar um belo lugar para aprender o autocontrole e dar vazão a sua grosseria.
--- Proposta aceita! Passar bem!
Apesar de certo aturdimento, quando cruzou a calçada da Satamini, o rapaz parecia ter se livrado de uma prisão mental e sua cabeça parara de latejar. Estava decidido. Esta foi sua última ida ao consultório da psicóloga e a partir daquela noite, juntou seus trapos, indo morar com a Avó paterna nas proximidades da Uruguai. Apesar da idade, a mãe do seu Arthur nem sequer sabia o que era psicologia, nem ouvira jamais falar em Freud, mas dispunha de um bom senso a toda prova. Lá teria um abrigo para poder estudar e superar os cuidados castrantes da mãe! Como diz o Erasmo, o velho tremendão: mãe você já fez a sua parte me pondo no mundo, que agora é meu dono mãe, e nos seus planos não estão você!
É Dona Assunção, quem tudo quer nada tem!

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Mundo Competitivo

Fala Galera, blz?

Fim de semana um pouco triste com o Coringão tomando um toco do Flamengo...mas que há de fazer...Fogão descendo a ladeira...
Segue uma brincadeira sobre a competitividade pouco sadia dos ambientes de trabalho!!

abs

Armandão

Os Dez Mandamentos do Executivo Corporativo Neo-Liberal

1. Amarás a ti Mesmo sobre todas as coisas
2. Blindarás o teu nome de qualquer comentário vão
3. Trabalhar em Domingos e Festas
4. Desprezarás o convívio com a tua família
5. Não matarás o teu subordinado. Apenas dê-lhe mais responsabilidades com o mesmo salário
6. Nem terás men noção do que é castidade
7. Não pouparás o dinheiro alheio, principalmente o público
8. Usarás o falso testemunho para derrubar possíveis concorrentes
9. O que do próximo?
10. Não deixarás de ter nada que outro executivo tenha

domingo, 2 de agosto de 2009

Nova velha postagem

Fala Galera, Blz?

Segue a melhor crônica que acho que fiz!

Salve Cesar Cielo!!!!

abs

Armandão

Data venia

Não tinha conversa. Aquela aula de Direito Processual do Roldinei era pior que ressaca de whisky nacional. Entrava ano, saia ano, e ninguém conseguia transferir a espaço reservado para sexta à noite da mal afamada classe. E pior é que o Direito Processual percorria os quatro últimos anos, sem mudança de professor durante todo o curso. O Roldinei, ou melhor Dr. Roldinei de Bulhões – excelentíssimo Procurador Geral do Estado – alugara aquela vaguinha no horário e, jamais se ouvia dizer desde a fundação da UFF, que o supracitado dispensasse a chamada. Assim, só as gestantes – depois do sétimo mês, é claro – gozavam do abono de falta. Não era o nosso caso...marmanjos consagrados ao culto do deus Baco, aquele espaço seria perfeito para nossas oblações à divindade grega, cujo templo situava-se defronte a faculdade, mais precisamente no bar Dura Lex, sed lex. Como dizia o cartaz dependurado nas paredes descascadas do egrégio estabelecimento: A lei é dura, mas cede! Lá se encontrava o lugar perfeito para destilar a lei de seu caráter coercitivo, dando asas à flexibilidade de espírito.

No entanto, a rigidez do Roldinei era o principal obstáculo para que cumpríssemos nosso preceito semanal da cervejinha na sexta. Abaixo assinado, recurso junto à reitoria, tudo já havia sido tentado. No quarto ano – ou seja, quando cursávamos o Direito Processual III -, o Ramos, caixa do Banerj e companheiro de sala, tentou simular um ataque epilético no intuito de interromper a palestra do Dinei– como carinhosamente o chamávamos. Porém não obteve sucesso. A velha raposa, conhecedor de todas artimanhas provindas dos bancos escolares, sacara na hora a falsidade do ladino. Imperturbável, chamou o enfermeiro de plantão o Isac – um negão pra mais de metro, que no Carnaval ganhava um troco de segurança no Sambódromo . O Isac, que há anos prestava esse tipo de serviço ao corpo discente, aplicou uma tremenda benzetacil no Ramos – que não pôde nem sentar no banco do ônibus, durante todo o trajeto até Caxias, sua pátria natal.

No quinto ano a massa já estava à beira de uma revolta popular pela liberação da sexta, ainda que todo o processo corria no submundo do grêmio, longe das vistas de qualquer autoridade. O líder da revolta era o Carlinhos Scala, cuja alcunha já revelava um gosto confesso pela vida noturna. Popular entre as meninas por ser articulado e bronzeado de praia, o Carlinhos não era muito íntimo dos códigos e manuais. Seu desempenho sofrível era compensado pela especialização em leitura à distância de prova alheia. Enfim, era o perfeito líder para uma comunidade acadêmica à beira da ebulição.

Na semana do Sete de Setembro, famosa semana da paciência esgotada - ou semana do saco, como era mais conhecida -, em que os alunos extenuados pela exigência do curso de Direito instituíram por decreto como espaço vacante, íamos eu e Doca – ambos papa-goiabas – no fusqueta 69 da mãe dele, pela ponte rumo a casa do Scala, no Alto Leblon – onde a turma se confraternizaria em churrascada apoplética.

De repente, na altura do vão central – ponto mais alto da via – fomos emparelhados um BMW preto a mais de 120 kilometros por hora. Apesar da rapidez da ultrapassagem, distinguimos um coroa de óculos escuros, com a cara do Dinei, trajando uma camisa regata, como quem vai a direção de Ipanema. Nem hesitei e ordenei ao Doca:

--- Acelera essa lata velha Doca, que eu acho que é o Dinei! Ele tá indo pra praia. Vamos segui-lo!

--- Tá maluco, meu irmão! Nem que eu quisesse! Essa tralha aqui geme quando chega a 80!

Ia ser um tremendo furo! A glória da nossa dupla perante a turma. Mas com o fusca...projeto abortado. Justo hoje que a gente tinha trazido máquina para fotografar a festa, teríamos a chance de pegar o mestre com a boca na botija...Lamentavelmente, o BMW nos fez comer poeira e demos a idéia como falida. Contudo como todo mendigo tem um dia de rei na vida, o trânsito complicou-se mais adiante, perto da guarita da polícia, já quase na entrada da Francisco Bicalho. A polícia estava dando um blitz inesperada, pois o Jornal Nacional, durante toda aquela semana, noticiara que diversos cidadãos estavam dirigindo com suas documentos vencidos.

Fomos ordenados a parar pelo policial para checagem dos documentos do veículo e do motorista. Quando estacionamos, vimos um senhor discutindo acaloradamente com o guarda a dois carros do nosso..era o Dinei!!! Foi como se a glória do Céu se abrisse para nós dois e entrássemos pelo paraíso carregados por anjos! Nunca a sorte me sorrira com seus dentes tão brilhantes! O estupefato motorista da BMW não possuia aquele linguajar rebuscado e formal das aulas de Processo! Que data venia, Vossa Senhoria, que nada! Era daquilo pra baixo!!! Sorrateiramente – o Doca portanto a máquina, evidentemente - , aproximamo-nos para ouvir melhor a discussão e captar o melhor ângulo para foto. A situação estava ficando feia:

--- Olha aqui seu imbecil, sou Procurador Geral do Estado! Se tu implicares com os meus documentos vou te banir da Polícia!

--- Meu senhor, estou cumprindo minhas funções! De mais a mais, nem que fosse a Xuxa eu ia te dar mole! Quanto mais um coroa, metido à autoridade, vai me dar medo!

O ilustre Procurador ia colocar a mão no bolso para dar a tradicional carteirada no coitado do policial rodoviário, quando se ouviu o barulho do flash da câmera do Doca, acompanhado pelo clarão de luz! O mestre olhou para trás meio surpreso e ficou desnorteado quando nos reconheceu. A partir daí, esqueceu momentaneamente o guarda e dirigiu sua fúria para nós:

--- Olha aqui, seus dois bulhas, me dá essa câmera senão vocês nunca vão ver a cor do diploma!

--- Sem stress, mestre...relaxa! Vamos conversar com calma– falou o Doca, malandro acostumado as lides das duras negociações.

--- Não tem conversa com mau aluno! Passa pra cá essa câmera!

--- Vai devagar professor, o senhor pode ter um enfarte se essa foto aparece no Jornal Nacional... Já pensou a manchete na voz altisonante do Wiliam Bonner: Procurador do Estado flagrado por dois estudantes dando carteirada em policial rodoviário? Pode ser a ruína de uma carreira brilhante!

O coroa já dava mostras de seu nervosismo, sabendo que a ameaça podia significar o fim de seu sonho de Desembargador! Consciente disso, mudou subitamente o tom de suas palavras:

--- O Doca, você sempre foi um rapaz equilibrado – acentuou com mansidão em sua voz. Veja bem, qual a vantagem em prejudicar meu futuro profissional. ademais, eu posso indicar ambos para os melhores escritórios de Advocacia do país. Já pensaram numa carreira brilhante num escritório do porte do Pinheiro Neto, por exemplo... isto significa grana preta! Pensem bem!

Com o professor em nossas mãos, selei nossa proposta de acordo:

--- Caro mestre, agradeço a indicação desinteressada de sua parte, mas queria propor-lhe uma contra-oferta:

--- Diga lá, meu jovem! - soou a voz cálida do mestre.

--- Transfira sua aula de sexta para quinta, trocando com o professor de Civil e lhe entregaremos a foto, assim que vier o ofício da secretaria da escola confirmando a modificação do horário.

--- Isso não, seus abusados! Este horário é meu há mais de 18 anos!

--- Cuidado com o Bonner, mestre!

Como se pode imaginar, após alguns minutos de diálogo, o professor encurralado cedeu às nossas pressões. Porém, o mesmo só ficou tranqüilo quando lhe entregamos a foto e o negativo, após a oficialização do novo horário da disciplina como quinta-feira. Por vezes, o destino colhe nas mãos os fracos, e qual David, assestamos a cabeça do gigante com a pedra da sorte. Quem imaginaria que aquele velho emproado e cheio de si, caísse nas garras de desconhecidos alunos, cujos sobrenomes não emolduravam nenhuma das plaquetas dos escritórios mais afamados da cidade! Data venia amigos, algum dia na vida tem que ser o dia da caça!