domingo, 2 de agosto de 2009

Nova velha postagem

Fala Galera, Blz?

Segue a melhor crônica que acho que fiz!

Salve Cesar Cielo!!!!

abs

Armandão

Data venia

Não tinha conversa. Aquela aula de Direito Processual do Roldinei era pior que ressaca de whisky nacional. Entrava ano, saia ano, e ninguém conseguia transferir a espaço reservado para sexta à noite da mal afamada classe. E pior é que o Direito Processual percorria os quatro últimos anos, sem mudança de professor durante todo o curso. O Roldinei, ou melhor Dr. Roldinei de Bulhões – excelentíssimo Procurador Geral do Estado – alugara aquela vaguinha no horário e, jamais se ouvia dizer desde a fundação da UFF, que o supracitado dispensasse a chamada. Assim, só as gestantes – depois do sétimo mês, é claro – gozavam do abono de falta. Não era o nosso caso...marmanjos consagrados ao culto do deus Baco, aquele espaço seria perfeito para nossas oblações à divindade grega, cujo templo situava-se defronte a faculdade, mais precisamente no bar Dura Lex, sed lex. Como dizia o cartaz dependurado nas paredes descascadas do egrégio estabelecimento: A lei é dura, mas cede! Lá se encontrava o lugar perfeito para destilar a lei de seu caráter coercitivo, dando asas à flexibilidade de espírito.

No entanto, a rigidez do Roldinei era o principal obstáculo para que cumpríssemos nosso preceito semanal da cervejinha na sexta. Abaixo assinado, recurso junto à reitoria, tudo já havia sido tentado. No quarto ano – ou seja, quando cursávamos o Direito Processual III -, o Ramos, caixa do Banerj e companheiro de sala, tentou simular um ataque epilético no intuito de interromper a palestra do Dinei– como carinhosamente o chamávamos. Porém não obteve sucesso. A velha raposa, conhecedor de todas artimanhas provindas dos bancos escolares, sacara na hora a falsidade do ladino. Imperturbável, chamou o enfermeiro de plantão o Isac – um negão pra mais de metro, que no Carnaval ganhava um troco de segurança no Sambódromo . O Isac, que há anos prestava esse tipo de serviço ao corpo discente, aplicou uma tremenda benzetacil no Ramos – que não pôde nem sentar no banco do ônibus, durante todo o trajeto até Caxias, sua pátria natal.

No quinto ano a massa já estava à beira de uma revolta popular pela liberação da sexta, ainda que todo o processo corria no submundo do grêmio, longe das vistas de qualquer autoridade. O líder da revolta era o Carlinhos Scala, cuja alcunha já revelava um gosto confesso pela vida noturna. Popular entre as meninas por ser articulado e bronzeado de praia, o Carlinhos não era muito íntimo dos códigos e manuais. Seu desempenho sofrível era compensado pela especialização em leitura à distância de prova alheia. Enfim, era o perfeito líder para uma comunidade acadêmica à beira da ebulição.

Na semana do Sete de Setembro, famosa semana da paciência esgotada - ou semana do saco, como era mais conhecida -, em que os alunos extenuados pela exigência do curso de Direito instituíram por decreto como espaço vacante, íamos eu e Doca – ambos papa-goiabas – no fusqueta 69 da mãe dele, pela ponte rumo a casa do Scala, no Alto Leblon – onde a turma se confraternizaria em churrascada apoplética.

De repente, na altura do vão central – ponto mais alto da via – fomos emparelhados um BMW preto a mais de 120 kilometros por hora. Apesar da rapidez da ultrapassagem, distinguimos um coroa de óculos escuros, com a cara do Dinei, trajando uma camisa regata, como quem vai a direção de Ipanema. Nem hesitei e ordenei ao Doca:

--- Acelera essa lata velha Doca, que eu acho que é o Dinei! Ele tá indo pra praia. Vamos segui-lo!

--- Tá maluco, meu irmão! Nem que eu quisesse! Essa tralha aqui geme quando chega a 80!

Ia ser um tremendo furo! A glória da nossa dupla perante a turma. Mas com o fusca...projeto abortado. Justo hoje que a gente tinha trazido máquina para fotografar a festa, teríamos a chance de pegar o mestre com a boca na botija...Lamentavelmente, o BMW nos fez comer poeira e demos a idéia como falida. Contudo como todo mendigo tem um dia de rei na vida, o trânsito complicou-se mais adiante, perto da guarita da polícia, já quase na entrada da Francisco Bicalho. A polícia estava dando um blitz inesperada, pois o Jornal Nacional, durante toda aquela semana, noticiara que diversos cidadãos estavam dirigindo com suas documentos vencidos.

Fomos ordenados a parar pelo policial para checagem dos documentos do veículo e do motorista. Quando estacionamos, vimos um senhor discutindo acaloradamente com o guarda a dois carros do nosso..era o Dinei!!! Foi como se a glória do Céu se abrisse para nós dois e entrássemos pelo paraíso carregados por anjos! Nunca a sorte me sorrira com seus dentes tão brilhantes! O estupefato motorista da BMW não possuia aquele linguajar rebuscado e formal das aulas de Processo! Que data venia, Vossa Senhoria, que nada! Era daquilo pra baixo!!! Sorrateiramente – o Doca portanto a máquina, evidentemente - , aproximamo-nos para ouvir melhor a discussão e captar o melhor ângulo para foto. A situação estava ficando feia:

--- Olha aqui seu imbecil, sou Procurador Geral do Estado! Se tu implicares com os meus documentos vou te banir da Polícia!

--- Meu senhor, estou cumprindo minhas funções! De mais a mais, nem que fosse a Xuxa eu ia te dar mole! Quanto mais um coroa, metido à autoridade, vai me dar medo!

O ilustre Procurador ia colocar a mão no bolso para dar a tradicional carteirada no coitado do policial rodoviário, quando se ouviu o barulho do flash da câmera do Doca, acompanhado pelo clarão de luz! O mestre olhou para trás meio surpreso e ficou desnorteado quando nos reconheceu. A partir daí, esqueceu momentaneamente o guarda e dirigiu sua fúria para nós:

--- Olha aqui, seus dois bulhas, me dá essa câmera senão vocês nunca vão ver a cor do diploma!

--- Sem stress, mestre...relaxa! Vamos conversar com calma– falou o Doca, malandro acostumado as lides das duras negociações.

--- Não tem conversa com mau aluno! Passa pra cá essa câmera!

--- Vai devagar professor, o senhor pode ter um enfarte se essa foto aparece no Jornal Nacional... Já pensou a manchete na voz altisonante do Wiliam Bonner: Procurador do Estado flagrado por dois estudantes dando carteirada em policial rodoviário? Pode ser a ruína de uma carreira brilhante!

O coroa já dava mostras de seu nervosismo, sabendo que a ameaça podia significar o fim de seu sonho de Desembargador! Consciente disso, mudou subitamente o tom de suas palavras:

--- O Doca, você sempre foi um rapaz equilibrado – acentuou com mansidão em sua voz. Veja bem, qual a vantagem em prejudicar meu futuro profissional. ademais, eu posso indicar ambos para os melhores escritórios de Advocacia do país. Já pensaram numa carreira brilhante num escritório do porte do Pinheiro Neto, por exemplo... isto significa grana preta! Pensem bem!

Com o professor em nossas mãos, selei nossa proposta de acordo:

--- Caro mestre, agradeço a indicação desinteressada de sua parte, mas queria propor-lhe uma contra-oferta:

--- Diga lá, meu jovem! - soou a voz cálida do mestre.

--- Transfira sua aula de sexta para quinta, trocando com o professor de Civil e lhe entregaremos a foto, assim que vier o ofício da secretaria da escola confirmando a modificação do horário.

--- Isso não, seus abusados! Este horário é meu há mais de 18 anos!

--- Cuidado com o Bonner, mestre!

Como se pode imaginar, após alguns minutos de diálogo, o professor encurralado cedeu às nossas pressões. Porém, o mesmo só ficou tranqüilo quando lhe entregamos a foto e o negativo, após a oficialização do novo horário da disciplina como quinta-feira. Por vezes, o destino colhe nas mãos os fracos, e qual David, assestamos a cabeça do gigante com a pedra da sorte. Quem imaginaria que aquele velho emproado e cheio de si, caísse nas garras de desconhecidos alunos, cujos sobrenomes não emolduravam nenhuma das plaquetas dos escritórios mais afamados da cidade! Data venia amigos, algum dia na vida tem que ser o dia da caça!

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