Fala pessoal, tql?
Segue uma produção das antigas!
Abs
Armandão
Metamorfose
Saens Pena. O nome do poeta argentino é emprestado à praça mais charmosa e movimentada da Tijuca, que em troca o brindou com a taça da imortalidade. Penso que nem sequer o literato platino poderia antever tanto prestígio exatamente na nação vizinha, fazendo parte do coração dos cariocas.
A poluição das grandes cidades assemelha-se à alma humana, cuja tonalidade cinza não permite ver o interior. Na Saens Pena é um pouco diferente, pois ainda que encoberta pela vista das favelas, a Floresta da Tijuca insiste em emoldurar a vista da região, atenuando o espírito qual encontro de enamorados, desanuviando as agruras da realidade cotidiana cheia de claros e sombras. Os momentos de luz ajudam-nos a poder caminhar por entre a escuridão do dia-a-dia sempre a pedir um fio de esperança para continuar a viver. Vive-se de algo e para algo...empurrar com a barriga é medicina sem princípio ativo; é o comprimido de farinha que não cura e nem mata...é o viver por nada e para nada levando a um tédio de lascar!
Assim, alegremente, vegetava pela praça um subproduto da sociedade moderna, mais morto que vivo, apesar da juventude musculosa dos seus dezoito anos. O Fred, terceira geração de família portuguesa, sempre de bem com a vida, tendo fama de boa praça, sujeito pacífico e desocupado, deslizava pela existência com a suavidade da água sem deixar marca - nem para o bem nem para o mal, nem à direita nem à esquerda – tendo como objetivo último à camaradagem sem compromisso, vestindo a própria definição do gente boa. Não fazia mal a ninguém, mas sua boa vontade jamais ultrapassava a alegre prosa de roda de bar, onde a vida se resolve e os problemas se equacionam com simplicidade. Nestes círculos da mais pura filosofia da rua, sempre acompanhados pela cervejinha e da batucada, agrupam-se, sem distinção de qualquer gênero, os mais variados tipos da fauna humana, que conseguem superar o anonimato e obtêm quinze minutos de glórias desfiando proezas imaginárias e estórias de amoricos inverossímeis – quem conhece esses heróis na vida real não poderia imaginar da audácia desses contadores de vantagem, que só o podem fazer quando cruzam o limite da sobriedade. Sem platéia como somos diferentes! O espelho da própria alma não nos deixa mentir para nós mesmos sem um travo de fel...
Frederico Martins Ruas cursava o terceiro ano do segundo grau no São José, escola decadente, que outrora albergara nomes ilustres da sociedade local e até um ex-aluno chegara à presidência da República em passagem meteórica. Sua agenda se dividia entre as aulas, as freqüentes idas a Barra da Tijuca para a prática do surf, o tempo investido diariamente na academia – parte na sala de musculação e parte nas aulas de Jiu-Jitsu – e as incursões ao Barra Shopping. Sua boa inteligência, aliada a falta de exigência das escolas atuais, fazia com que o tempo dedicado ao estudo se resumisse ao comparecimento às aulas, poucas vezes complementado por trabalhos extraclasse. Assim, o Fred dispunha de grande parcela do tempo para ser investida nas areias, nos tatames e nas andanças pelo shopping. Resultado: sua cabeça era um fervilhar de idéias desconexas, sem uma direção consistente, adocicadas pelo jeitão bonachão e levadas daqui para lá pelo sabor agridoce dos sentimentos.
O terceiro ano do segundo grau representa sempre um pausa nas atividades normais, dada a proximidade do vestibular. Como a maioria de seus amigos, o Fred estava imbuído na difícil empreitada e tinha mirado alto: entrar na medicina do Fundão. Ficaram, desta sorte, reduzidos seus compromissos sociais e desportivos. Até sua namorada, a Priscila – estudante do primeiro colegial do Colégio Impacto, sentiu os efeitos da determinação do rapaz. Seu quarto estava repleto de fórmulas das matérias de exatas pelas paredes. Aos sábados à tarde o Machado de Assis passara a ser seu novo companheiro, pois era certo que a prova de literatura fatalmente incluiria um de seus personagens. Era uma mudança radical.
Lá por setembro, quando rompeu seu enlace de ocasião, foi a gota da d’água para as preocupações de Dona Assunção – porquê todo infrafilho tem uma supermãe? – raiassem a neurose. Descontente com a obstinação do filho, segundo seu juízo, resolveu intervir impondo ao rapaz um maior relaxamento e a introdução de uma nova amiga: Dra. Raquel – antiga amiga da mãe e psicóloga de prestígio no bairro.
--- Como pode um rapaz de dezoito anos, na flor da mocidade, estudar duas horas por dia? – indagava-se a progenitora.
--- Manhê, deixa disso, certo? Nunca vi mãe nenhuma reclamar porque o filho quer entrar em faculdade pública? Ou a senhora acha que o velho tá a fim de por a mão no bolso se pode economizar umas duas pratas?
--- Dinheiro não é tudo na vida, meu filho! Será possível que alguém deixa uma namorada como a Priscila, filha do Silva da padaria Lusitânia, por causa do vestibular?
--- Ora pois, Dona Assunção!– o recurso da troça era sempre usado para tirar a mãe dos eixos e eliminar sua intromissão indevida em vida alheia. Até a torcida do Flamengo sabe essa garota é sinistra. Só esse ano já esteve namorando uns dez caras do Impacto.
--- Você agora está ficando fundamentalista!
--- Não. De maneira alguma. Só estou aplicando o mesmo julgamento que a senhora faz das minhas primas do Leblon!
--- Não tem nada a ver comparar a Priscila com as desmioladas das filhas do Chagas!
--- Certo, certo...Bom acho que vou indo ao cursinho para aula de reforço de física.
--- Aula de reforço de física? Para vestibular de medicina?
--- Mãe, pela última vez, esta matéria tem grande peso no vestibular e não vou ficar refém dos teus caprichos! Já engoli esta tal de Dra. Raquel e basta. Não enche as medidas senão será o fim destas seções insuportáveis de análise que ligam o nada com o coisa nenhuma!
--- Você é um cabeça dura Fred...pior que o teu pai! Pode ir, mas não te permito faltar a psicóloga de jeito algum!
--- Tchau mãe..foi um prazer incrível desfrutar da tua companhia.
Sem dar tempo para contestação, bateu a porta e dirigiu-se ao elevador. Rumou para o colégio, ensimesmado por suas meditações. Seria possível que a corujice da portuguesa raiasse a loucura? Que havia de mal na pausa de certas atividades superficiais em prol de uma vaga na medicina do Fundão? Os argumentos da mãe, como costuma acontecer, eram desprovidos de qualquer racionalidade e continham traços indisfarçáveis de egoísmo e de ingenuidade maternas, procurando manter os filhos sob suas saias a qualquer preço! Mesmo a custo de um futuro profissional promissor! Santa ignorância. Normalmente, quando a família age desta forma, à primeira chance, os filhos pulam fora e não querem mais saber do excesso de proteção familiar, deixando os pais no último lugar das suas prioridades.
Lá pelas cinco e meia da tarde, a porta do apartamento abriu-se, tragando por sua abertura um extenuado vestibulando a procura de refrigério na geladeira repleta de Coca-colas. Sentou-se sem cerimônia na cama do quarto e abriu a apostila de biologia. Mal se recostou foi brutalmente interpelado:
--- Você esqueceu da consulta com Dra. Raquel às seis?
--- Aí meu Deus...tortura hoje não! Aquela coroa é uma mala! Me libera dessa, mãe? Fala sério!
--- Não tem choro nem vela. Pode ir descolando o busanfã da cama e pondo a calça! Vamos no meu carro.
--- Ta ok, mãe. Mas eu vou sozinho e de ônibus. É cinco minutos daqui pegando o 410. Não leva a mal Dona Assunção, a senhora dirige pior que o Barichelo!
--- Tá bem. Mas se você for assaltado o problema é seu!
--- Tchau mãe, te vejo no jantar! Vai com a Yolanda na liquidação do Tijuca Off Price e me deixa em paz!
Falou e foi saindo com aquela cara de mártir às portas da eternidade. Tudo bem...senão tem tu, vai tu mesmo – como diz o ditado. Era melhor enfrentar a fera por meia hora e ver-se livre da insanidade maternal. Ninguém morre por trinta minutos de papo furado – tentava consolar o rapaz ao entrar no consultório.
Depois da tradicional espera de uma hora – psicólogo pontual só se for na Alemanha -, foi anunciado pela secretária, digo melhor assistente – uma vez que as mulheres detestam essa alcunha que lhes desprovê de importância, segundo seu julgamento -, à doutora.
--- Oi Fred! Que camisa elegante! Tudo bem com você, meu queridinho?
--- Tudo...O Fred odiava essas melosidades, ainda mais advindas de anciã metida à coroa interessante.
--- Contes-me tudo e não me escondas nada, meu benzinho! Você reviu as suas posições a respeito da sua vida pessoal? Pretendes ficar pra titia?
--- Dona Raquel, quer dizer Dra. Raquel, vamos conversar sem diminutivos e ir direto ao ponto!
--- O meu neném está ficando maduro e cruzando a puberdade! Soube que as meninas estão de olho em você. É verdade?
--- Como a senhora bem reparou, já estou um homenzinho pra agüentar conversa de quarentona! Vamos aos fatos!
--- Não fique nervoso, meu amorzinho! Não se reprima. Como Freud ensinava é preciso dar vazão às energias interiores e liberar os instintos!
--- Dra. Raquel, se fosse liberar os instintos a senhora estaria no hospital a essa hora e eu na jaula! Por favor, vamos tornar esta entrevista tão agradável quanto possível!
--- Perdão meu gatinho? Como vai a Pri?
--- Chega Doutora! Por que a senhora não abre um Chat de encontros de namorados na Internet e fecha sua clínica? Daria mais dinheiro e não encheria o...
--- Rapazinho, é melhor você voltar ao Jiu-Jitsu na academia do Marcelo Teixeira! Lá você vai encontrar um belo lugar para aprender o autocontrole e dar vazão a sua grosseria.
--- Proposta aceita! Passar bem!
Apesar de certo aturdimento, quando cruzou a calçada da Satamini, o rapaz parecia ter se livrado de uma prisão mental e sua cabeça parara de latejar. Estava decidido. Esta foi sua última ida ao consultório da psicóloga e a partir daquela noite, juntou seus trapos, indo morar com a Avó paterna nas proximidades da Uruguai. Apesar da idade, a mãe do seu Arthur nem sequer sabia o que era psicologia, nem ouvira jamais falar em Freud, mas dispunha de um bom senso a toda prova. Lá teria um abrigo para poder estudar e superar os cuidados castrantes da mãe! Como diz o Erasmo, o velho tremendão: mãe você já fez a sua parte me pondo no mundo, que agora é meu dono mãe, e nos seus planos não estão você!
É Dona Assunção, quem tudo quer nada tem!
sexta-feira, 14 de agosto de 2009
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